INFLUÊNCIA DA FACO NO CONTROLE DA PIO NO GLAUCOMA ÂNGULO ABERTO

Comentarios de Vital Paulino Costa sobre:
Ref.: The effect of phacoemulsification on intraocular pressure in medically controlled open-angle glaucoma patients
Slabaugh MA, Bojikian KD, Moore DB, Chen PP
Am J Ophthalmol. 2014 Jan;157(1):26-31

A abordagem cirúrgica do paciente com catarata e glaucoma é um tema que sempre gera discussão, especialmente entre especialistas de glaucoma. Vários fatores entram em jogo para facilitar a decisão, incluindo o estágio do glaucoma, a tolerância e aderência ao uso de medicações, a facilidade de adquirir as medicações e o nível de pressão intraocular. No entanto, talvez um dos principais fatores que interferem nessa decisão é o tipo de glaucoma. Alguns artigos já foram publicados sugerindo que a opção por facoemulsificação isolada se justifica em pacientes com glaucoma primário de ângulo fechado bem controlados com medicação.

O artigo de Slabauch et al. investiga o efeito da facoemulsificação sobre a pressão intraocular de pacientes com GPAA bem controlados com medicação, uma situação bastante frequente em nossos consultórios.

Trata-se de um estudo retrospectivo, não controlado e não mascarado, que analisou 157 pacientes submetidos à facoemulsificação seguidos por pelo menos 1 ano. O fato de ser um estudo retrospectivo limita a uniformidade do acompanhamento e a ausência de um grupo para comparação nos impede de responder outras perguntas interessantes, avaliando, por exemplo, a eficácia de uma cirurgia combinada em relação à facoemulsificação isolada. Seria também interessante ter um grupo controle de pacientes com GPAA bem controlados e não operados de catarata, o que indicaria o número de pacientes que pioraria o seu controle devido à história natural da doença.

Diante desses resultados, fica claro que a noção amplamente divulgada de que facoemulsificação reduz invariavelmente a PIO de pacientes com glaucoma de ângulo aberto deve ser questionada.
Cerca de 40% dos pacientes pioram o controle de sua PIO com a cirurgia de catarata.

Mas vamos aos resultados. O estudo demonstra que a redução média da PIO nesse grupo foi de apenas 1,8 + 3,1 mmHg ao final de 1 ano (p<0,001), sem que houvesse redução significativa do número de medicações antiglaucomatosas utilizadas (p=0,11). Dos 157 pacientes avaliados, 38% (n=60) apresentaram aumento da PIO ou necessitaram de mais medicação, laser ou cirurgia para reduzir a PIO. A grande maioria desses pacientes (95%) apresentava PIO pré-operatória menor que 20 mmHg. 91 pacientes (58%) apresentaram PIO estável ou reduzida em relação ao pré-operatório, com o mesmo número ou menos medicações. Finalmente, 6 olhos (3,7%) apresentaram aumento da PIO com menos medicações, pois o médico julgou que, nesses pacientes, a PIO não necessitava ser tão baixa.

Diante desses resultados, fica claro que a noção amplamente divulgada de que facoemulsificação reduz invariavelmente a PIO de pacientes com glaucoma de ângulo aberto deve ser questionada.
Cerca de 40% dos pacientes pioram o controle de sua PIO com a cirurgia de catarata,
o que reforça que essa abordagem deve ser exclusiva para pacientes com menor dano glaucomatoso. Os pacientes com dano mais avançado poderiam apresentar perda de suas poucas fibras nervosas em decorrência desse descontrole.

Não há dúvida,no entanto, que boa parte (58%) desses pacientes se beneficiaram do procedimento pois evitaram uma cirurgia filtrante.

Não há dúvida,no entanto, que boa parte (58%) desses pacientes se beneficiaram do procedimento pois evitaram uma cirurgia filtrante. Falta informação a respeito de quantos pacientes se beneficiaram da redução do número de medicações utilizadas, mas a julgar pela ausência de redução significativa do número médio de medicações, esse número deve ser pequeno, o que indica que, também do ponto de vista de aderência e tolerância, a cirurgia isolada de facoemulsificação não representa vantagem. Isso reforça a necessidade de indicar este procedimento apenas em pacientes que toleram e utilizam adequadamente suas medicações.

Finalmente, vale ressaltar que apenas pacientes que tiveram uma cirurgia sem complicações foram incluídos, o que ao meu ver, artificialmente melhora o resultado do estudo.

Finalmente, vale ressaltar que apenas pacientes que tiveram uma cirurgia sem complicações foram incluídos, o que ao meu ver, artificialmente melhora o resultado do estudo. Ao indicar uma cirurgia de catarata no paciente com glaucoma, o cirurgião deve levar em conta as complicações cirúrgicas. Se estas tivessem sido incluídas, possivelmente os resultados seriam ainda piores.

Comentarios por Homero Gusmao Almeida sobre:
Ref.: The effect of phacoemulsification on intraocular pressure in medically controlled open-angle glaucoma patients
Slabaugh MA, Bojikian KD, Moore DB, Chen PP.
Am J Ophthalmol. 2014 Jan;157(1):26-31.

Glaucoma e catarata são problemas cotidianos do consultório oftalmológico que se revestem de enorme importância por vários motivos:
Primeiro porque são as duas principais causas de cegueira em todo mundo, embora uma reversível e a outra não. Segundo porque estão ambas conectadas ao processo de envelhecimento e, pelas suas prevalências, muito frequentemente coexistem.

A condução do paciente portador de catarata e glaucoma é controvertida desde sempre. O trabalho de Slabaugh e cols. entra neste octógono tentando esclarecer quando operar somente a catarata em olhos glaucomatosos com controle adequado da pressão intraocular. A resposta a esta questão remete a outra pergunta, corolária: quando realizar cirurgia combinada?

O trabalho de Slabaugh e cols., apesar de retrospectivo, apresenta um desenho bem cuidado. O número de olhos nos parece adequado, assim como o seguimento de pelo menos 01 ano, e o fato de todas as cirurgias terem sido realizadas pelo mesmo cirurgião, homogeiniza a amostra. Os critérios de inclusão/exclusão foram muito bem cuidados: foram incluídos somente olhos portadores de glaucoma primário de ângulo aberto/excluídos olhos que tiveram complicação na cirurgia, olhos submetidos a capsulotomia etc.

Todavia, analisando os resultados com mais detalhe, os autores identificaram que 60 olhos (38%) apresentaram elevação da PIO (com ou sem aumento da medicação).

A análise foi bastante clara. Em 157 olhos, a PIO média pré-operatória era de 16,3 ± 3,6 mmHg e apresentou-se com 14,5 ± 3,4 mmHg após 1 ano de seguimento. Relatam que o tratamento clínico permaneceu basicamente inalterado: 1,85×1,92. Um resultado expressivo e altamente significativo estatisticamente (p<0,001). Todavia, analisando os resultados com mais detalhe, os autores identificaram que 60 olhos (38%) apresentaram elevação da PIO (com ou sem aumento da medicação). Estes resultados nos alertam para o perigo em se considerar apenas as médias, sem uma análise mais cuidadosa.

Como fatores relacionados com a diminuição da PIO, os autores identificaram uma pressão pré-operatória mais elevada, idade maior e, curiosamente, câmara anterior mais profunda.

Surpreende o fato de câmara anterior mais profunda relacionar-se com maior queda da PIO, quando vários trabalhos relatam que ângulos estreitos/fechados beneficiam-se da extração do cristalino1. Como no presente trabalho todos os olhos tinham ângulo aberto, não cabe uma comparação pura e simples com outros trabalhos com seleção diferente!

Vários trabalhos têm mostrado redução em índices variáveis da PIO2,3, provavelmente pela seleção menos criteriosa dos glaucomas: muitos olhos provavelmente com algum componente de fechamento angular, pressões pré-operatórias mais elevadas4 etc.

A controvertida opção de operar-se somente a catarata com a expectativa de melhor controle da pressão intraocular tem se perpetuado devido em boa parte à contínua evolução da técnica cirúrgica de extração da catarata, cada vez menos invasiva: de intracapsular para extracapsular, para facoemulsificação, para incisão em córnea clara… A incisão em córnea clara, que é a técnica preferencial nos dias de hoje, trouxe a vantagem de manter intocada a conjuntiva, propiciando melhores resultados para uma cirurgia fistulante que eventualmente seja necessária nos olhos facectomizados. Isto encoraja os mais afoitos a operar-se só a catarata inicialmente.

Trabalhos importantes de revisão baseada em evidências têm demonstrado que, diferentemente dos glaucomas de ângulo fechado, não há evidências consistentes de que a extração da catarata seja de utilidade no tratamento do glaucoma primário de ângulo aberto5.

Trabalhos importantes de revisão baseada em evidências têm demonstrado que, diferentemente dos glaucomas de ângulo fechado, não há evidências consistentes de que a extração da catarata seja de utilidade no tratamento do glaucoma primário de ângulo aberto5. Mais ainda, outros trabalhos sugerem que nos olhos que experimentaram redução da PIO, há tendência de as pressões retornarem aos níveis pré-operatórios após um tempo maior de seguimento1. E, para complementar, não podemos nos esquecer da hipertensão no pós-operatório imediato que é muito frequente, principalmente em olhos glaucomatosos e que nos glaucomas avançados pode significar prejuízo visual6.

O presente trabalho, ao demonstrar que de 10 pacientes, 4 têm aumento da PIO após a cirurgia de catarata, a opção de operar-se só a catarata necessita levar em conta outros fatores! E dois são absolutamente óbvios: o estádio do glaucoma e a quantidade de drogas necessária para o controle da doença.

De qualquer maneira, o presente trabalho, ao demonstrar que de 10 pacientes, 4 têm aumento da PIO após a cirurgia de catarata, a opção de operar-se só a catarata necessita levar em conta outros fatores! E dois são absolutamente óbvios: o estádio do glaucoma e a quantidade de drogas necessária para o controle da doença.

Parece que mais que válida, a opção de operar-se o glaucoma simultaneamente é uma opção mais sensata quando não há controle adequado da PIO ou o controle é limítrofe, nos casos de glaucoma avançado e mesmo quando é baixa a qualidade de vida com o ritual das gotas7,8.

Parece que mais que válida, a opção de operar-se o glaucoma simultaneamente é uma opção mais sensata quando não há controle adequado da PIO ou o controle é limítrofe, nos casos de glaucoma avançado e mesmo quando é baixa a qualidade de vida com o ritual das gotas7,8.

REFERÊNCIAS

1. Dietlein TS et al. Early postoperative spikes of the intraocular pressure (IOP) following phacoemusification in late-stage glaucoma. Klin Monatsbl Augenheikd. 2006; 223(3): 225-9.

2. Vizzeri G, Weinreb RN. Cataract surgery and glaucoma. Curr Opin Ophthalmol 2010;21(1):20–24.

3. Shrivastava A, Singh K. The effect of cataract extraction on intraocular pressure. Curr Opin Ophthalmol 2010;21(2):118–122.

4. Poley BJ, Lindstrom RL, Samuelson TW.Long-term effects of phaco-emulsification with intraocular lens implantation in normotensive and ocular hypertensive eyes. J Cataract Refract Surg 2008; 34(5):735–742.

5. Walland MJ, Parikh RS, Thomas R. There is insufficient evidence to recommend lens extraction as a treatment forprimary open-angle glaucoma: an evidence-based perspective. Clin Experiment Ophthalmol 2012;40(4):400–407.

6. Yasutani H et al. Intraocular pressure rise after phacoemulsification surgery in glaucoma patients. J Cataract Refract Surg 2004; 30(6):1229-24.

Resumo deste artigo

Ophthalmology. 2014 Jan;157(1):26-31. doi: 10.1016/j.ajo.2013.08.023. Epub 2013 Oct 30.
The effect of phacoemulsification on intraocular pressure in medically controlled open-angle glaucoma patients.
Slabaugh MA1, Bojikian KD2, Moore DB2, Chen PP2.
Author information

Abstract

PURPOSE:
To evaluate intraocular pressure (IOP) after phacoemulsification in patients with medically controlled open-angle glaucoma (OAG), and examine the association of biometric variables to IOP changes.

DESIGN:
Retrospective case series.
METHODS:
Open-angle glaucoma patients without prior incisional glaucoma surgery undergoing phacoemulsification by a single surgeon between January 1997 and October 2011 were evaluated. Patient charts were reviewed to obtain demographic information, preoperative glaucoma medications, severity and treatment measures, and preoperative and postoperative IOP.

RESULTS:
A total of 157 eyes (157 patients) were included in the study. The average preoperative IOP of 16.3 ± 3.6 mm Hg decreased to 14.5 ± 3.4 mm Hg at 1 year (P < .001). Sixty eyes (38%) required additional medications or laser for IOP control within the first year postoperatively, or had a higher IOP at postoperative year 1 without medication change. Among eyes without postoperative medication changes (n = 102), higher preoperative IOP (P < .001), older age (P = .006), and deeper anterior chamber depth (P = .015) were associated with lower postoperative IOP.

CONCLUSIONS:
Phacoemulsification resulted in a small average decrease in IOP in patients with OAG. A sizeable proportion of medically controlled glaucoma patients with open angles undergoing phacoemulsification experienced an increase in IOP or required more aggressive treatment to control IOP postoperatively.

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COMMENT IN:Cataract surgery in glaucoma patients: how much benefit? [Am J Ophthalmol. 2014

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