1- Fale um pouco sobre sua formação, e de como e porque foi se dedicar ao estudo dos glaucomas sendo hoje um dos profissionais mais respeitados no mundo.
O passo mais importante para minha formação profissional foi uma residência bem feita com professores éticos e competentes, e ter me tornado preceptor, o que aprimorou os meus conhecimentos. Posteriormente, fiz meu fellowship em Vancouver com um dos maiores glaucomatólogos da época, o Prof. Stephen Drance, que além de excelente professor também foi meu mentor, orientando-me em todos os aspectos tanto da vida profissional como pessoal.
Dediquei-me ao estudo do glaucoma, pois esta doença sempre me fascinou e me fascina, pois até hoje, ainda é a principal causa de cegueira irreversível no mundo. Desde 2001, os trabalhos publicados mostram que 15% dos pacientes em tratamento acabam ficando cegos em aproximadamente 10 anos, e o que me deixava e ainda me deixa desconfortável é o fato da comunidade científica considerar este fato como aceitável. Como exemplo entre vários, podemos citar o estudo publicado pelo Prof. Arthur Sit e colaboradores da Clinica Mayo em Minessota que concluíram em trabalho recentemente publicado (Ophthalmology 2014): “A despeito dos grandes avanços tecnológicos e do conhecimento sobre o glaucoma, 15% dos pacientes tratados ficaram cegos de um olho em um período médio de 6 anos, provavelmente por fatores não relacionados a pressão intraocular”. Esta conclusão, além de vaga e perigosa, nos leva a crer que é algo incontornável, um mistério.
Como se pode chegar a esta conclusão se estes pacientes tinham apenas uma medida da pressão ocular a cada 4-6 meses e o pico pressórico nunca foi pesquisado? Inúmeros trabalhos publicados e editoriais mostram que o pico da pressão ocular é o fator mais importante para a progressão da doença. Apesar disso, por razões inexplicáveis, ainda atualmente alguns oftalmologistas e pesquisadores continuam a ignorar este fato.
2 – Como surgiu sua vontade para seguir a carreira de professor universitário? Ainda com relação as suas atividades educacionais qual o segredo para que três de seus alunos se tornassem expressões internacionais ocupando lugar de destaque em universidades de altíssimo nível.
Minha vontade de ensinar, e como consequência natural disto, de me tornar um professor universitário, veio desde o tempo da juventude, onde me dedicava ao ensino nos mais variados campos. Sem dúvida, ela foi apurada e estimulada pelos exemplos dos grandes professores que tive, entre eles, os professores Stephen Drance, Sergio Cunha, Celso Antonio de Carvalho, Jorge Alberto Fonseca, Marcos Goldchimidt, Hisashi Susuki e muitos outros, além de colegas com os quais convivi no Brasil e no exterior.
Em relação aos meus alunos que se tornaram expressões internacionais, Marcelo Nicolela, professor titular da Universidade de Dalhousie, Canadá; Felipe Medeiros, professor titular da Universidade de San Diego, Califórnia e Gustavo de Moraes, professor associado e chefe do setor de pesquisa da Universidade Columbia de Nova York, na realidade não há segredo. Tive um prazer enorme em ter convivido com eles . Pessoas maravilhosas com os quais caminhei junto por anos, compartilhando meus conhecimentos e experiências. A eles, como para vários outros, ofereci oportunidades tanto no Brasil como no exterior. Na verdade, as excelentes qualificações destes colegas foram imediatamente aproveitadas e catapultadas pelas respectivas universidades. Outros colegas também são referências nacionais, entre eles o Roberto Vessani, Jair Giampani, a Wilma Barbosa, o Marcelo Hatanaka, o Ricardo Susuki, o Lisandro Sakata, e muitos outros. São colegas que demonstraram perseverança, disciplina, integridade e talento. O Brasil é campeão de desperdícios de jovens com estas características e seria importante para o país que todos nós pudéssemos oferecer oportunidades que promovessem um avanço em sua carreira profissional.
3 – Agora, com relação ao foco principal desta entrevista, o que te motivou a desenvolver o Implante de Susanna para glaucoma?
O principal motivo foi o fato de que o implante americano existente no Brasil tem um custo muito alto, o que o inviabiliza para a maioria da população carente. Este foi também o motivo pelo qual criei o primeiro implante de Susanna, que foi o implante mais utilizado no Brasil, na época fornecido pelo SUS. Com a criação da ANVISA e a mudança das regras para a fabricação de implantes, sua produção teve que ser interrompida por vários anos. Neste período, tornou-se comum o hábito de usar métodos alternativos menos efetivos e com maior numero de complicações, como a crioterapia ou ciclofotocoagulação transcleral. Alguns colegas como o Dr. João Prata, então presidente da Sociedade Brasileira de Glaucoma, estimaram a necessidade de mil implantes anuais para atender a população brasileira, outros colegas números ainda superiores.
Nesta época, recebi um abaixo-assinado de 600 oftalmologistas para que não poupasse esforços para a criação de um novo implante. Contudo, a lentidão dos processos, aliada às dificuldades com os órgãos regulatórios e com as numerosas fábricas que visitei para estudar a possibilidade de execução foram muito grandes, explicando o tempo de gestação do implante, que foi superior a seis anos. Uma vez fabricado e com o protocolo de estudo aprovado pela ANVISA, alguns centros em oftalmologia foram escolhidos pelo investigador principal, o Prof. Augusto Paranhos, para a execução do estudo. Foram eles: o departamento de oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo, da Universidade de São Paulo – USP, do Hospital São Jose de Belo Horizonte e do Hospital Humberto Castro Lima de Salvador. Este estudo foi aceito para publicação no Journal of Glaucoma, o que comprova seu alto nível, contando com a importante contribuição do Dr. Tiago Prata na redação do mesmo.
4 – Como foi o processo para conseguir com tecnologia desenvolvida no Brasil um implante de alta qualidade?
Após visitas a inúmeras fabricas, encontrei a indústria Kinner que foi muito receptiva através de seu diretor presidente Sr. Luis Carlos Lopes Silva e todos os funcionários que participaram do desenvolvimento do implante. Foram muitas idas e vindas tanto para a fabrica em Ribeirão Pires como para meu centro cirúrgico onde através do uso de microscópios, filmes, fotografias e estudos de dinâmica de fluxo discutíamos as falhas, e as respectivas melhorias que poderiam ser feitas. Este processo durou aproximadamente dois anos, após incontáveis viagens. O resultado obtido valeu todo o trabalho despendido: o implante ficou pronto para a produção industrial. A distribuidora ADAPT também colaborou muito na comercialização do mesmo e na redução de seu preço, sendo seus responsáveis os Srs. Vagner Dantas e Alexandre Pinheiros.
5 – Fale um pouco das vantagens de se ter um implante nacional e dos resultados do estudo multicêntrico com o Implante de Susanna.
O implante de Susanna é mais fino que o de Ahmed FP e Baerveldt, (0,5mm contra 1,8 mm e 0.84 mm de espessura respectivamente), o que permite sua colocação em conjuntivas friáveis pouco elásticas ou na presença de implante escleral para descolamento de retina.
A área do implante é de 200 mm2 enquanto o do Ahmed é de 180 mm2, sendo possível resultados melhores, pois a redução da PIO é função do tamanho do prato. O tubo é mais fino e assim como a placa e sendo mais flexível diminuem a possibilidade de extrusão do tubo e da placa, sendo que esta pode ser cortada e moldada de acordo com o espaço sub-tenoniano disponível. Outras vantagens da menor espessura do tubo é que sendo ele mais fino torna-se menor o risco de contato do tubo com o endotélio corneano, iris, ou cristalino.
O túnel escleral pode ser feito com agulha de insulina 26,5 gauge e provavelmente não haverá necessidade de retalho escleral para cobrir o tubo desde que se faça um tunel escleral de 2-3mm de extensão. Também não há necessidade de preenchimento da câmara anterior com substancias visco-elásticas. Os dois pés anteriores do implante com 4 mm de extensão permitem que o prato do implante fique a 9-10 mm do limbo, onde deve situar-se desde que o mesmo seja fixado a 5-6 mm no limbo, evitando a sutura a 8-10 mm do limbo que é necessária nos demais implantes, sendo tecnicamente mais difícil e com maior possibilidade de perfuração ocular. Também devido a sua flexibilidade, a placa pode ser dobrada para sua inserção, necessitando desta forma de uma incisão menor.
Associado a isso desenvolvemos tecnologia nacional, criamos empregos e os recursos gerados permanecem no país. Além disso, seu custo é inferior à metade do custo do implante de Ahmed.
Os resultados de forma sumária estão reproduzidos aqui sendo cópia do publicado no Journal of Glaucoma: “Foram incluídos 58 pacientes com idade média de 64,3 ± 11,5 anos (19 Com glaucoma neovascular [grupo 1] e 39 com falha da primeira trabeculectomia [grupo 2]). O seguimento médio foi de 7,1 ± 3,8 meses e a PIO média antes do procedimento foi 31,5 ± 1,6 mmHg (intervalo: 18 a 68 mmHg) e após de 12,6 ± 0,7 mmHg (intervalo: 2 a 28 mm Hg) na última visita de seguimento (P <0,01). O número médio de medicamentos antiglaucoma utilizados Foi reduzido de 3,4 ± 0,9 para 1,4 ± 1,5 durante o mesmo período (P <0,01). Aos seis meses de pós-operatório, as taxas de sucesso qualificado para os grupos 1 e 2 foram de 73% e 83% Respectivamente As principais complicações foram 2 erosão conjuntival e 2 casos de hipotonia tardia. Conclusões: Os nossos achados iniciais sugerem que o novo SGDD é uma alternativa eficaz para glaucomas refratários, com poucas complicações pós-operatórias a curto prazo”
6 – Finalizando, no seu ponto de vista quais são as perspectivas futuras na área do glaucoma?
Eu acredito que nos próximos anos haverá uma melhora no tratamento do glaucoma bem como do seu diagnóstico. Novos tipos de tratamento, cirurgias mais eficientes, mais rápidas e com menores comorbidades deverão surgir. Medicamentos com liberação lenta permitirão melhor qualidade de vida, fidelidade ao tratamento e controle mais uniforme da PIO. A avaliação mais acurada, continua e simples da pressão ocular e de seu perfil deverá ser desenvolvida e aplicável a todos os pacientes. A Neuroproteção e a neurorregeneração aplicáveis a clinica deverão surgir em um futuro não tão distante.